Sexta-feira, 20.11.09

Tentei responder em jeito de comentário mas o sistema é castrador e não permite comentários maiores que 4300 caracteres. Assim sendo aqui fica para todos e, em especial, para o Cais:

 

Levantas questões muito interessantes, Cais. Vamos lá ver se consigo chegar a algumas conclusões -- não serei, certamente, exaustivo -- e me faço entender.
Quanto à primeira, a do impacto visual, parece-me claro que uma torre com 100 metros de altura será visível, quiçá, da Serra da Arrábida. Mas a questão não se resume a isso porque os impactos visuais podem ser positivos e negativos. Por aqui me fico no que diz respeito a esta obra em concreto, passarei agora a escrever em termos genéricos.
Assim para início de conversa, sou da opinião que não podemos permitir que os donos de obra construam o que quiserem só porque têm direitos sobre um pedaço de terreno. Como é que isto se operacionaliza será outra questão sobre a qual não irei discorrer. Interessa-me, para já, a questão de fundo, a dos direitos e como é que ela se relaciona com a efectiva utilidade da cidade enquanto 'máquina de habitar' colectiva.
Sugeres tu que "o futuro a Deus pertence". Vou a jogo e digo que Deus, não sendo técnico, deve ser auxiliado por aqueles que o são; por outras palavras, a função do arquitecto é facilitar a incumbência divina, de proporcionar sucesso às obras que o próprio projecta.
Assumo também que não sei mexer no oráculo de Bellini, nem almejo tal, mas palpita-me que um edifício em forma de pastel de Belém com um diâmetro de 30 metros, jamais se enquadrará onde quer que seja. Parece-me clara a nossa divergência neste ponto. O meu amigo aceita, de bom grado, que se edifiquem obras em forma de Teddy Bear, ou outra qualquer representação infantil, independentemente da localização, apenas por vontade do dono de obra. Bom a minha opinião vai no sentido oposto.
É certo que o dono de obra tem direitos e, em simultâneo, deveres para com a comunidade onde está inserido. Não é assim? A cidade -- e, de resto, o território, ao qual me referirei, também, de cada vez que me referir à cidade -- não deve, e não pode, pertencer apenas aos donos de obras, mas sim aos ditos e ao resto da comunidade, em comunhão. Se assim não fosse, a cidade não passaria de um somatório de pequenos nadas, tela, permanentemente, em branco á espera da inevitável pincelada de um pintor invisual e desregrado. Uma cidade assim seria, exceptuando raríssimos acasos, para além de repelente, inútil enquanto habitat humano. Eu sei que concordas comigo quando digo que a construção da cidade não pode depender do acaso, é importante demais.
O caso de Las Vegas, apesar de respeitar alguma da sintaxe urbana, afigura-se-me como o exemplo mais próximo dessa cidade desregrada no que à forma das edificações diz respeito. Afirmo que não gostaria de viver em tal sítio e penso que existirá muita gente, uma grande maioria, pelo menos, entre quem tenha experimentado viver em cidades produto do urbanismo europeu, na mesma situação; talvez até tu próprio, Cais. Esse tipo de experiência não pode passar disso. Para além de insustentável, na contemporânea acepção da palavra, é um ambiente agreste ao Homem, por vários motivos, apenas apelativo e suportável porque não se vive lá, por ser a excepção, por ser passageiro, momentâneo. Obviamente, admito excepções; o ser humano tem uma enorme capacidade de adaptação e, em inúmeros casos, não conhecerá outros ambientes ou será 'forçado' a viver lá.
Uma das vantagens da cidade ser feita como tem sido -- com respeito pela comunidade na maior parte dos casos -- é que o todo é, por vezes, maior que a soma das partes, grandioso. Já se fizeram, como vimos, algumas experiências do género -- e não me refiro ao CCB, Amoreiras ou Bilbao, que nunca fui da opinião que não se integravam (e muito menos sou da opinião que são de desenho infantil), uns porque não tinha idade para isso na altura da construção, outros simplesmente porque não, apesar de criticar negativamente alguns desses projectos por outros motivos -- nalguns pedaços de cidade, mas por alguma razão essas experiências não se reproduziram na totalidade da cidade. O argumento do pólo de atracção turística, não colhe; os fins não justificam os meios. Não posso concordar com a edificação de um edifício em forma de bola de Berlim apenas para promover o turismo na Costa da Caparica, pela sua excentricidade, se este colidir com os direitos da comunidade. O que me leva a concluir que, sendo esse um dos requisitos do programa da obra, o arquitecto deverá tentar cumprir sem ferir os direitos da comunidade; ou seja, concordo que se edifique uma obra de elevada qualidade arquitectónica que, pelo seu valor acrescentado, promova o turismo na Costa da Caparica sem prejudicar a comunidade, ao invés de uma representação gratuita e infantil de uma qualquer bola de Berlim, digna de um parque de diversões.
Portanto, e para terminar, penso que, por princípio, “a arquitectura das igrejas” e, de resto, do que quer que seja, “deve pautar-se” pelo bom senso do técnico e aquilo que ele tem obrigação de ir aprendendo com e pela experiência do Mundo, que já vem sendo alguma; basta ter vontade, capacidade e discernimento para lê-Lo. Nem todos o conseguem; eu, se estiver, estou, com toda a certeza, no ínicio.



publicado por fblourido às 21:02 | link do post | comentar | ver comentários (3)

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